09/11/2017

DA (IM)PENHORABILIDADE DAS VERBAS DE NATUREZA SALARIAL

Olá, Processualistas!

Hoje vamos abordar brevemente a questão da possibilidade ou não de realização de penhora sobre verbas salariais em procedimentos executivos.

Em termos gerais, por razões humanitárias, à luz do princípio da dignidade humana - e na linha da doutrina do patrimônio mínimo, ou mínimo existencial - a legislação pátria proíbe, em regra, a penhora de salário ou qualquer outra verba afim, conforme dicção do art. 833, IV, do CPC/2015.

Recentemente, contudo, em decorrência de uma crescente indignação por parte de muitos - inclusive com reflexos na doutrina - no sentido de que a impenhorabilidade irrestrita de tais verbas geraria situações esdrúxulas, muitas vezes prestigiando devedores reconhecidos como tais em título executivo, com amplo poderio econômico, em detrimento do credor, o Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte entendimento:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUES. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO NÃO CARACTERIZADO. SÚMULA 282/STF. SALÁRIO. IMPENHORABILIDADE.
RELATIVIZAÇÃO EXCEPCIONAL.
1. Ação monitória, em fase de cumprimento de sentença, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 16/12/2014 e atribuído ao Gabinete em 02/09/2016.
2. O propósito recursal consiste em definir se é possível a penhora de parte do salário do devedor para o pagamento de dívida de natureza não alimentar.
3. A ausência de indicação do dispositivo de lei tido como vulnerado pelo Tribunal de origem enseja a inadmissibilidade do recurso especial, em razão de sua deficiente fundamentação. Incidência da Súmula n. 284/STF.
4. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.
5. É inadmissível o conhecimento do recurso especial se não houve decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados.
Aplicação da Súmula 282/STF.
6. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação de crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família.
Precedentes.
7. Na espécie, contudo, diante da ausência de elementos concretos que permitam aferir a excepcional capacidade do devedor de suportar a penhora de parte de sua remuneração, deve ser mantida a regra geral de impenhorabilidade.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
(STJ, Terceira Turma, REsp nº 1.673.067/DF, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 12/09/2017, DJe 15/09/2017).
É importante lembrar, a propósito, que o art. 833, § 2º, do CPC/2015 já consagrava duas exceções à impenhorabilidade de verbas salariais, quais sejam: (I) pagamento de pensão alimentícia, independentemente de sua origem; e (II) importâncias excedentes a 50 salários mínimos mensais. Com o referido julgado, o STJ amplia, ao menos em tese, o rol de exceções à destacada impenhorabilidade, emplacando uma interpretação sistemática que, embora fundamentada, se afasta do texto legal e o amplia num contexto de excepcionalidade.

Para além do acerto ou não da decisão, certo é que compete ao Superior Tribunal de Justiça a última palavra no tocante à interpretação das normas infraconstitucionais. Não há dúvidas de que as razões que conduziram o órgão à conclusão referenciada acima encontra respaldo em parcela da doutrina. Contudo, é preciso que nos atentemos para o risco à legitimidade das decisões quando os tribunais, notadamente os superiores, passam a desenvolver interpretações destoantes dos textos normativos e ampliam, por meio de processos interpretativos não autorizados por tais textos, situações excepcionais como as exceções às impenhorabilidades.

Em um Estado de Direito (democrático), como projetado pela Constituição de 1988, o ordenamento jurídico não pode servir de mera sugestão ou exortação dirigida aos julgadores para que, por atos de vontade, escolham como, quando e para quem serão aplicadas as normas. Isso não significa que os magistrados devam ser apenas a boca da lei, mas que se conformem aos mecanismos legitimadores das situações jurídicas em nosso sistema, sob pena de, na busca por garantir segurança jurídica, desestabilizarem as relações sociais gerando uma perene imprevisibilidade.